Olga
Fonseca entrevista João Paulo Simões
Olga
Fonseca: Se houvesse uma esfinge à entrada do Lisboa Involuntária, que enigma
colocaria aos espectadores?
João
Paulo Simões: Mais que um enigma, talvez uma incógnita
em forma de desafio:... Neste nosso palco aberto ao mundo, porque nos
resignamos à condição de marionetas quando as rédeas aí estão para ser
tomadas?... O filme pretende expressar essa dicotomia lusitana, que reconheço
precisamente como a quinta essência da cidade de Lisboa. A identidade da cidade
como infraestrutura subjectiva, mas recuperada mais tarde numa racionalidade
que vai desaguar no Tejo e assim abrir-se ao mundo, convida a contrastes e
contradições. Entre o marginal e o cosmopolita... Entre o decadente e o moderno...
Está tudo lá. Nas ambiências, nos rostos...
OF: Neruda dizia que “…saudade é amar um passado que ainda não passou. É
recusar um presente que nos magoa, é não ver o futuro que nos convida”. Há saudade
no Lisboa Involuntária? Há um alumiar
dum futuro possível, voluntário, face ao in-voluntário presente?
JPS: A Saudade, tal como a definimos na nossa Arte, na nossa Vida, é
incontornável.
Apesar de se tratar de um “exercício” vital
para a re-afirmação da nossa identidade, é um fardo involuntário para muitos.
Algo que refina o existencialismo que nos define como povo, mas que o enreda
numa espiral de desilusão e desânimo (enfatizada pelo estado das coisas)...
O filme que precedeu este projecto (Uma Curta de Amor), assumiu esse
“alumiar” na sua própria gênese e forma. Lisboa
Involuntária será um filme mais populado, enigmático e labiríntico, de
certa forma...
OF: Lisboa Involuntária será um
reflexo da filigrana social vivida nas sete colinas pelos tempos de desespero
sentidos e avistados dos belos miradouros, ou o arquétipo das Tágides, uma
invocação à esperança e a novos tempos?
JPS:
A resignação presente é como uma superfície estagnada,
mas abaixo destas águas há convulsões constantes (ecos de um espírito
revolucinário comatoso) e pulsações criativas (descendentes de um empreendorismo
que se dissipou). O meu trabalho aqui vai ser encontrar a linguagem, tom e
estética que melhor as possam exprimir. Nunca esquecendo a nossa poesia e nunca
me afastando daquela que acredito ser a verdadeira função do cinema.
Curiosa a tua referência ás Tágides...
Neste filme teremos presenças mais trabalhadas (e menos dependentes da palavra)
do que em Uma Curta de Amor. Uma delas será precisamente uma Tágide, que se
extraviou no tempo e no espaço. Como um fóssil da nossa memória comum...
OF: Kierkegaard falava da correspondência das necessidades e da carência e
afirmava a necessidade como um valor. De certo modo, sinto na tua obra esta
valorização – a necessidade que reflecte e que se espelha nos estados de ânimo,
de graça, nas elegias, na nostalgia, na moralidade… Concordas comigo? E se
concordas, achas que esta valorização é um pilar, um coeficiente comum no Lisboa Involuntária?
JPS: Concordo. Acima de tudo, por reconhecer a “constante do precário” nos
filmes que me interessam fazer. Por razões que poderão passar pela minha
nacionalidade, a “falta de” apresenta-se sempre como algo mais profundo e
necessário de explorar.
Se existe uma função maior no que faço,
passa precisamente por esse vasto, mas insuficiente território humano – onde o
valor da interrogação, do questionar, irá sempre imperar acima da resposta
pronta.
Lisboa Involuntária sustenta-se nisso mesmo,
por vir expressar o fugaz; o relance que polvilha a constante deste ponto de
paragem ancestral.
OF: Também para Kierkegaard “ o desespero da infinitude é devido à falta
de finitude (…), o desespero da necessidade é devido à falta de possibilidade”.
Lisboa
Involuntária virá remeter-nos para a interioridade,
virá contribuir para apaziguar a opacidade do desespero?
JPS: Se, tal como Uma Curta de Amor, o filme tem alguma intenção clara, é
precisamente essa. A de olharmos para o espelho que temos no nosso âmago sem
ter medo do reflexo (que nos retribuirá esse olhar).
No entanto, não procuro criar um retrato
fidedigno da Lisboa de hoje. O políticamente correcto do realismo social que
levaria outros a tentar, por exemplo, incorporar o presente multiculturalismo
da cidade no filme não me diz nada.
A descaracterização “europeizante” da
identidade de Lisboa, que se foi dando nestes meus anos de ausência, é um dos
motes para o filme. Mas, o contraponto entre a tradição turística e os mais
secretos hábitos interessa-me muito mais. Tal como toda uma postura de
vanguarda (com toda a decadência e marginalidade inerente) que o geográfico
suscita...
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